A Experiência Artística: Transversalidades. De Leonardo a Duchamp, de Duchamp aos contemporâneos, da técnica às novas tecnologias

segunda-feira, 3 de maio de 2010

ARTE CINÉTICA

A Galeria Bergamin inaugura a mostra Arte Cinética América Latina expondo mais um segmento desta vertente artística reconhecida na França na década de 50. O projeto, concebido em 2005 com coordenação de Cecília Ribeiro e texto de Daniela Bousso, selecionou 30 obras de 11 artistas as quais compõe um novo conjunto onde o elo de ligação entre os selecionados, escolhidos pela unidade de seu trabalho e sua raiz latina, é o fascínio pelo movimento real ou ilusório.
......Países com bases culturais distintas, como Venezuela, Itália, Espanha, Brasil e Argentina, são os lugares de origem dos artistas componentes deste grupo: Jesús Soto, Cruz-Diez, Palatnik, Ubi Bava, Le Parc, Gregorio Vardanega, Garcia Rossi, Martha Boto, León Ferrari, Danilo di Prete e Francisco Sobrino.
......O grande destaque da exposição é uma obra de Jesus Soto – Cubo Virtual – peça de grandes dimensões em ferro e nylon, em exibição pela primeira vez e um dos raros trabalhos deste porte não alocado em espaço público.
......No prisma da arte Latino Americana, alguns países tiveram um desenvolvimento artístico mais significativo no campo do cinetismo. Nota-se que em um pequeno intervalo, diversos eventos no campo da arte prepararam o terreno nestes países para o desenvolvimento da Arte Cinética como tendência. Em um primeiro momento de contestação e negação, como todo novo, a proposta é a renúncia ao ato de criação romântico, movido pelo mistério da inspiração; o processo criativo da obra era mais interessante que o resultado final.
......O “movimento” per-se é a obra, a criação. Há obras que envolvem movimento no espaço, quer por parte da própria obra, quer por parte do espectador, quer este manipule a obra ou não, e isto gera obrigatoriamente alguma transformação visual dos elementos do que a obra consiste. Os elementos, simples e comuns, quando combinados produzem efeitos misteriosos e complexos. Como declara Jésus Soto “separadamente essas coisas nada são, mas, reunidas, algo muito estranho acontece...todo um mundo de novos significados e possibilidades e revelado pela combinação de elementos simples e neutros”.

MOVIMENTO SEM FRONTEIRAS – ARTE CINÉTICA

Por Daniela Bousso

......Arte Cinética é o conjunto de pesquisas na arte sobre luz e movimento, focadas nas investigações sobre a participação do espectador. Em Paris, uma exposição realizada na galeria Denise René, em 1955, intitulada “O movimento”, abriu espaço para as proposições de artistas como Jesus Soto, Tinguely, Vasarely, Agam e outros.

......No prisma da arte Latino Americana, três países tiveram um desenvolvimento artístico mais significativo no campo do cinetismo: a Venezuela, a Argentina e o Brasil. É curioso notar que, quase em simultaneidade, em um curto espaço de tempo – entre 1943 e 1952 – uma série de acontecimentos no campo da arte prepararam o terreno nestes países para o desenvolvimento da Arte Cinética como tendência.

......No Brasil, o ímpeto de desenvolvimento que explode nos anos cinqüenta com o governo de Juscelino Kubitschek é antecedido – no campo da arte – pela implantação dos Museus de Arte Moderna em São Paulo em 1946 e no Rio de Janeiro em 1947. A primeira Bienal de São Paulo, em 1951, nasceu com a missão de promover a arte brasileira no circuito internacional. Contávamos então com o suporte do crítico Mário Pedrosa, que deu impulso à realização da primeira obra cinética no Brasil: o “Cinecromático” de Abraham Palatnik, exibido na Bienal em 1951, era um enorme aparelho, que emitia cor e luz e se tornava precursor do cinetismo no planeta.

......Encetada entre os anos 1950 e 1960, a Arte Cinética produzida por artistas sul-americanos – que debandaram para Paris após o segundo pós-guerra – revela a premência de conhecimento e de avanço do meio artístico latino americano no período. A relação entre arte e ciência era problematizada e estimulava-se a participação do espectador na obra de arte.

......Nos anos 1940, o desejo latente de construção de novos códigos que superassem as linguagens tradicionais na arte e a construção do Museu Nacional de Belas Artes, projetado pelo arquiteto Raul Villanueva, começavam a sacudir a cena artística de Caracas, onde já pulsava a necessidade de avanço e efervescência, juntamente com a criação dos salões de arte.

......Em Buenos Aires, um grupo de artistas sob liderança de Tomás Maldonado dedicava-se a publicações como a revista Arturo de 1944, o Manifesto Madi, de 1946, sendo que o último deu origem ao grupo Madi. No mesmo ano, o grupo Arte Concreta Invenção, liderado por Lucio Fontana, teria influência nos desenvolvimentos estéticos da obra de Julio Le Parc. Entre os artistas que integravam o ambiente e os acontecimentos, estavam Horácio Garcia Rossi, Gregório Vardanega, Martha Boto e o próprio Le Parc, às voltas com problemas políticos na Argentina pelo seu engajamento marxista, que por vezes estabelecia interlocução com Maldonado

......Em Paris, os argentinos Júlio Le Parc, Martha Boto, Gregório Vardanega e Horácio Garcia Rossi constituíram um núcleo de ação e pensamento – o GRAV – que propôs a renúncia ao ato de criação romântico, movido pelo mistério da inspiração. Para eles, o processo criativo da obra era mais interessante que o resultado final. Fundado em 1958, o GRAV se dissolveu em 1968.

......A criação pioneira de Abraham Palatnik no Brasil somou-se às tendências abstratas na arte com a emergência do Concretismo e do Neo-Concretismo, que rompe com o Concretismo paulista liderado por Waldemar Cordeiro. O Neoconcretos reivindicaram o rompimento do predomínio da razão e evocaram a experimentação e a retomada do sensorial na arte, incluindo a participação do público. Dentro das tendências abstratas, podemos ainda citar a participação ativa de artistas como Danilo di Prete, o qual aprofundou as pesquisas de luz e movimento com suportes bidimensionais e Ubi Bava, cujas preocupações se voltaram ao deslocamento do espectador frente à obra.

......Os venezuelanos Cruz Diez, Otero e Soto registraram importantes contribuições para o desenho de uma trajetória que revelou o pensamento contemporâneo em arte da América Latina e a sua importância em termos universais.


Cruz Diez construiu a sua plataforma de trabalho a partir de um conceito: a cor seria uma situação real, evolutiva no espaço e tempo e não transposta, como em Cézanne e Mondrian. Suas Cromosaturações, seguidas do desenvolvimento das Fisiocromias, exemplificam o acontecimento, a situação como mutação ou desmaterialização. A busca de um clima cromático permeado pela instabilidade, pelo aleatório e pelo evolutivo leva o espectador a deslocar-se frente à obra, provocando a mudança de posição da fonte luminosa. Estas eram as bases que enunciavam a renovação da pintura em relação aos mestres do Modernismo, constituindo uma estética própria: o público deveria deparar-se somente com o espetáculo da cor em transformação.

......Para Soto o aprofundamento do projeto enunciado pelos mestres russos do Neo-plasticismo era fundamental. Isto o levou a substituir os conceitos de forma e composição por outros totalmente diferentes – tais como elemento e estrutura – que deram origem às obras seriais, aonde a pontuação visual oferece uma leitura próxima dos códigos musicais. Ele queria incorporar o movimento e o tempo à obra e a solução foi a superposição de linhas, acrescida dos conceitos de repetição e progressão, até chegar aos Penetráveis, que o público podia adentrar.

......Abraham Palatnik almejava trazer para a arte pictórica a possibilidade de luz e movimento, no tempo e no espaço. Introduzido aos estudos sobre a Gestalt por Mário Pedrosa, após a primeira Bienal de São Paulo prosseguiu investigando formas, projeções de luz, pesquisando o desenvolvimento de motores elétricos e princípios caleidoscópicos. Constituiu a primeira tentativa, no Brasil, de realizar uma das utopias do projeto moderno da arte: a de Moholy-Nagy, não realizada, que propunha a criação de afrescos de luz, a serem projetados sobre edifícios inteiros. Para Nagy, as casas do futuro teriam “um lugar especial para a instalação de afrescos luminosos”.
E o que corresponderia a esses afrescos hoje, senão a instalação dos televisores de tela plana nas residências

......O foco de rompimento com a representação por parte dos cinéticos visava ultrapassar os postulados dos mestres modernistas: Duchamp, Moholy-Nagy, os surrealistas e os futuristas, o legado do Construtivismo Russo e da Bauhaus e a problematização do abstracionismo geométrico de Mondrian estavam em pauta.

......Ao romper com a representação, a Arte Cinética “produziu movimentos óticos gerados a partir do deslocamento do observador frente às obras, movimentos criados a partir do emprego de forças mecânicas com o uso de motores e movimentos criados a partir da interação física do espectador com a obra”, segundo o artista e pesquisador André Parente1, que ressalta ainda que “as obras cinéticas integram o movimento real, o movimento ótico e o movimento mecânico”.

......Grande parte da produção teórica ainda se refere à Arte Cinética como um movimento que durou apenas uma década – precisamente entre os anos 1958 e 1968 – como se em arte fosse possível estabelecer datas que definam começo e fim de certos processos. Atualizar a visão sobre o cinetismo significa o entendimento do mesmo como uma arte de passagem, de trânsito para futuros desenvolvimentos.
Cresce em importância para a compreensão dos fenômenos ligados à percepção sensória e a interatividade, que hoje permeia a produção artística e desemboca na vertente da arte contemporânea ligada às operações que geram interfaces entre arte e tecnologia.

......

A Arte Cinética é, então, por excelência, arte do corpo, assim como as obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica o são, pelas suas proposições perceptivas e sensoriais e pelo aporte da obra em relação à escala do corpo. Os deslocamentos promovidos pela Arte Cinética e o legado de Clark e Oiticica têm mais do que nunca um papel fundamental na arte contemporânea, que hoje exige cada vez mais a participação do espectador.

......Exemplos disso são: Infinito ao Cubo de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, recentemente exibido na Pinacoteca do Estado e na feira ARCO, as instalações penetráveis de Ernesto Neto, a obra Op-era, de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni, as instalações interativas de Rafael Losano Hemmer no pavilhão mexicano da última Bienal de Veneza ou, ainda, a cena urbana VJ/DJ, que privilegia o deslocamento do espectador a partir da integração da imagem em movimento com o som.

......A Arte Cinética, portanto, vive e resiste aos processos de transformação e à velocidade do mundo atual, em permanente mutação. Junto aos avanços tecnológicos, ela se faz presente nas mais diversas formas da arte contemporânea, extrapola as fronteiras latino-americanas e alça vôos intercontinentais.

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